terça-feira, 4 de maio de 2010

Music For Zen Meditation And Other Joys - Tony Scot, Shihichi Yuize e Hozan Yamamoto. 1964, Tokyo, Japan


Dentro da proposta “outros sons” desse blog, voltar de vez em quando aos bons vinis me parece praticamente inevitável. E particularmente diante de certos achados casuais como o que me ocorreu na última segunda-feira. Passando o olhar acidentalmente por uma banca que não era o meu objetivo inicial, me deparei com uma capa com uma imagem de um Buda e o título “Music For Zen Meditation”. Meu primeiro impulso foi de passar batido, pois pensei se tratar de mais um disco de música para relaxamento com barulho de água e pássaros (nada contra, mas não era esse meu foco no momento).

Talvez pelo fato de se tratar de vinil e por associar (erroneamente) new wage a algo mais da era do CD, resolvi parar e examinar. Ao ver entre os instrumentos utilizados o clarinete (um timbre que me agrada muito e que cheguei até, desastradamente a tentar aprender) resolvi dar mais atenção. Resultado: acabei comprando o referido álbum, que tem sido um dos recordistas de audição da semana, com riscos de atentar contra a integridade da cópia, de tanto ouvir.

Parando para examinar com mais calma descobri que se tratava de uma edição brasileira, do selo norte-americano de jazz Verve de um vinil gravado originalmente em 1964 por Tony Scott(e relançado pela Polygram em 1988, no Brasil). Scott era então,tratado na imprensa dos EUA como “nosso melhor clarinetista contemporâneo”, aclamado por publico e critica no mundo do jazz mas no referido álbum,traçou uma respeitosa ponte “intercultural” alguns anos antes da contracultura colocar o oriente na pauta do dia.

Sua parceria com os músicos Shihichi Yuiz (koto), Hozan Yamamoto (shakuhachi) acontece dentro do limite estrito da música clássica japonesa, mas traz uma contribuição significativa: o improviso do jazz como método. Vale lembrar que essa prática jazzística, apesar de ausente na música clássica, ou tradicional japonesa, se afina muito com a espontaneidade proposta pelo Zen Budismo (não é talvez à toa que os poetas da geração beat tenham se interessado tanto pelo jazz quanto pela prática Zen).

É interessante aqui citar um trecho do elucidativo texto de Allan Watts, no encarte que acompanha o álbum: “Zen é um modo de vida (não uma teoria) através do qual as pessoas sentem a si mesmas não como seres isolados, mas como um com todo o universo, do qua cada indivíduo é uma expressão única. Assim sendo, o artista Zen coloca sua destreza e seu instrumento (...) a serviço do Tao, o Caminho da Natureza, de modo a que sua arte se torne tão natural quanto as nuvens e as ondas – que nunca cometem erros estéticos. Como diz um poema Zen chinês: No cenário da primavera não há nada superior, nada inferior;Os galhos que brotam são naturalmente uns curtos, uns longos.(...”).

É bom alertar que não há no disco o virtusismo, a rítmica, ou qualquer traço de harmonia ou fraseados jazzísticos, não se trata de nenhum tipo de fusion. A proposta é realmente de respeito à música japonesa, mas com a contribuição do método espontâneo de criação coletiva que é um dos diferenciais primordiais do jazz: a improvisação.

Talvez no mundo do jazz essa ponte intercultural não tenha sido tão bem vista, como dá para pressentir por este comentário encontrado no blog Jazzseen: “Antes de mergulhar no nebuloso mundo da world music trazido pela década de 1960, Tony produziu excelentes álbuns dentro da escola branca do bop”. (http://blogs.abril.com.br/jazzseen/2006/09/day-in-new-york-tony-scott.html).
Purismos à parte, prefiro colocar a música e seus efeitos acima de fidelidades estilísticas. Com certeza não é um disco para aplicar pros amigos numa festa, nem para mostrar como o “cara” é um virtuose, mas realmente, não é essa a intenção aqui.


Num momento em que até os reticentes médicos ocidentais passam a indicar a meditação como ferramenta auxiliar no tratamento e prevenção de vários males, esse álbum pode ser um bom companheiro para colocar o espírito num ritmo mais humano. A sensação natural é de desaceleração e tranqüilidade, efeitos místicos outros, ficam por conta do freguês. Scott e seus amigos japoneses parecem simplesmente absortos num fluxo musical natural , o que inevitavelmente nos leva a associação a expressões como “vazio iluminador”, “experiência oceânica”, “religare”. Mas é bom frisar que, em primeira instância, o melhor, é que se trata de música, e da boa!



Ouça sem preconceitos e sem pressa!

http://musique.fnac.com/a1901994/Tony-Scott-Music-for-zen-meditation-CD-album

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